Combater as mazelas humanas deveria ser o maior objetivo dos gestores públicos. Deles, por atribuições das funções que ocupam, deveriam surgir políticas públicas que, no mínimo, reduzissem gradativamente os índices de fome, analfabetismo escolar e funcional, do déficit habitacional, acidentes e mortes nas suas mais diversas formas e faces e tantas outras circunstâncias que impedem que se viva com dignidade.
Infelizmente, existe uma massa de pessoas que são tratadas como invisíveis sociais, para elas nada se pensa, a não ser situações esporádicas, quando acontece algum desastre ou problema que foge do ritmo comum do cotidiano, como o vivido atualmente, fruto da pandemia do Covid-19.
São milhões de indivíduos que precisam estender as mãos à espera de uma ajuda, sendo ela governamental ou não. Algumas ações pontuais são desenvolvidas pelo governo, a exemplo do auxílio-financeiro e inúmeras outras por pessoas, também “invisíveis” no que fazem, mas abnegadas em ajudar o próximo. Assim, espera-se conter ou amenizar o sofrimento desses milhões.
Mas algo me intriga nessa situação toda, pois o surgimento de novos problemas, como o vivido atualmente, na verdade serve para escancarar velhos problemas que por estarem enraizados em nossa sociedade, tornaram-se invisíveis ao ponto de adormecer a sensibilidade de parte considerável da sociedade. Resumindo: a miséria e suas derivações já não chocam mais.
Digo isto porque, pelo que se percebe em nossas ações, não vejo orgulho em combater a miséria através de políticas públicas eficientes e cobranças sistemáticas de grupos da sociedade civil, mas sim em administrá-la. Há um orgulho em dizer que o número de famílias beneficiadas com programas de ajuda social, como por exemplo, o Bolsa Família, aumentaram de um governo para outro. Há um orgulho em dizer que se ajuda o próximo, mesmo a ajuda sendo a mesma todos os anos. Como se isso fosse um troféu.
Na verdade isso só demonstra a ineficiência do Estado em promover o combate à desigualdade social e reforça a ideia da centralização de boa parte das nossas riquezas nas mãos de poucas pessoas; bem como uma covardia velada dos grupos que não querem, pelo menos, tentar cortar o mal pela raiz. Pois se todo ano ajudo sempre as mesmas famílias, significa que algo está errado.
Sei que pode parecer um conto de fadas, mas quem sabe um dia, o orgulho será em dizer que ano após ano os programas de ajuda social estejam diminuindo, pois no nosso país as pessoas alcançaram a possibilidade de viver com dignidade e por aqui a miséria já não é mais algo crítico.
Até lá vamos tapando o sol com a peneira, pois afinal, a pobreza que beira à desumanidade é necessária na engrenagem, no mecanismo que move a nossa sociedade e os interesses dos poucos que dela desfrutam. Quem sabe um dia as coisas mudem!
Walber Gonçalves de Souza é professor e escritor.