A lembrança das labaredas ainda está na mente, mesmo à distância e pela TV a triste cena da destruição do Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro, insiste em provocar um sentimento de raiva, revolta e tristeza. Ver a memória se apagando aos poucos deveria ser um motivo de preocupação, mas no Brasil, infelizmente, não parece ser o caso.
Tenho tentado achar uma explicação, um jeito de provocar uma reflexão, de mostrar a falta que a memória, que a cultura faz para um povo, para uma nação, e o caminho foi fazer uma analogia com uma das doenças mais desafiadoras dos últimos anos, o Alzheimer.
Sabemos que quem é acometido pelo Alzheimer aos poucos vai perdendo a memória e em muitos dos casos de forma vagarosa. Além do esquecimento de nomes, lugares, pessoas, o portador de Alzheimer começa a ter atitudes que ele não teria se não tivesse portando a doença. Por isso, ele passa a requerer cuidados super especiais, senão pode provocar acidentes com ele e/ou com os que estão ao seu redor, como por exemplo, queimar-se em um fogão, ingerir alguma substância tóxica, cortar-se; enfim, por perder a memória aos poucos vai perdendo a percepção de perigo. E o fim da vida costuma ser sobre uma cama, praticamente de forma desfigurada pela atrofia muscular.
Imagino que o mesmo acontece quando um povo vai perdendo sua memória, vagarosamente ele vai se desumanizando. E os sintomas de um povo sem memória é o mesmo de uma pessoa com Alzheimer. Primeiro, vai esquecendo sua própria história, em seguida, começa, mesmo que sem querer ou perceber, o seu processo de autodestruição.
Um povo sem memória tende a repetir os mesmos erros do passado; torna-se intolerante, estúpido e grosseiro; defende a justiça com as próprias mãos; um povo sem memória, não consegue ser patriota, valorizar suas conquistas, seus patrimônios históricos, culturais e naturais. Um povo sem memória não consegue sair dos seus problemas sociais, pois nunca enxerga as causas dos problemas e vive eternamente combatendo as consequências, o que nunca tem fim. Um povo sem memória orgulha-se da baixaria e da própria pequenez das suas atitudes.
A cada lapso e destruição da nossa memória coletiva, o nosso Alzheimer Cultural vai ficando mais evidente e enraizado, vai se fortificando e tornando-se cada dia mais irreversível. E conseguimos perceber os sintomas de um povo que está acometido pelo Alzheimer Cultural quando ele simplesmente não se importa com nada e passa a não se reconhecer na própria história; quando não consegue perceber a destruição de si mesmo pois não se percebeu perdendo memória.
As piores labaredas não estão nos objetos, mas sim nos neurônios, na mente, na essência de cada um de nós. Um povo sem memória é um povo sem história. O fim de um povo sem cultura é atrofiar-se nas suas próprias mazelas.
Walber Gonçalves de Souza é professor e membro das Academias de Letras de Caratinga, Teófilo Otoni e Maçônica do Leste de Minas e também nosso colaborador